O porquê o Estado não é empresa e tal conceito leva a
erro conceitual!
Sobre a dívida pública a gente sempre houve sobre austeridade fiscal comparando o Estado ao gasto de uma casa, você não pode gastar mais do que arrecada. O porquê seria diferente. Por que o Estado poderia gastar mais do que arrecada sem que isso seja necessariamente um problema?
Nesse caso, é sim um erro conceitual macroeconômico a
associação entre os gastos do Estado e os gastos das famílias ou das empresas.
Qualquer estudante de economia desde o primeiro semestre
quando cursa uma disciplina chamada contabilidade social, ou seja,
contabilidade macroeconômica de um Estado nacional e posteriormente faz
disciplina de macroeconomia já aprende as diferenças fundamentais entre a
política de gasto e investimento do Estado e das famílias.
Vou resumir em quatro considerações sucintas e vou dar um
exemplo não machista pra iniciar a conversa que normalmente se vê de forma
análoga na mídia que dizem algo mais ou menos assim: Uma família, uma dona de
casa não pode ir na padaria comprar, por exemplo, 5 pães se ela só leva
dinheiro para comprar 4. Primeiro que está tudo errado que reforça um papel de
que a mulher é responsável naturalmente pelas tarefas de reprodução social, ou
seja, é ela que vai no mercado comprar pão. Vamos ao exemplo do meu pai:
Então, meu pai não pode ir na padaria comprar 5 pães se
só tem dinheiro para comprar 4. De fato, meu pai não pode fazer isso. Em
primeiro lugar, porque a política fiscal, o nível de gastos é muito distinto
entre uma família e um Estado.
Agora, vamos supor que eu diga para meu pai que quando ele
vai na padaria comprar os 5 pães levando dinheiro para comprar 4, ou seja, se
endividando para comprar 1, na verdade esses 5 pães que ele comprou volta pra
receita dele em torno de 6 pães. Por quê? Porque o gasto público do Estado ele
é um investimento! Veja, se vem um encanador na minha casa concertar cano, eu tiro
dinheiro da minha carteira e pago ele. Esse dinheiro não volta pra mim. Quando
o Estado paga o mesmo encanador, esse recurso que ele pagou volta pros cofres públicos
porque esse encanador, quanto mais pobre for esse encanador, vai ter maior
propensão para usar esse recurso para consumir coisas. Ele vai comprar uma
garrafa d’água, vai consumir serviços e como a tributação no Brasil é essencialmente
uma tributação sobre consumo e serviços, esses consumos e serviços vão retornar
aos cofres públicos. Mas não só de forma equilibrada, mas de forma
multiplicada. Porque esse encanador também ao consumir essas coisas, ele vai
dinamizar a atividade econômica gerando mais empregos. O padeiro vai produzir
mais pães. Então, o padeiro não vai precisar demitir ninguém, vai precisar
comprar mais farinha, vai contratar mais gente. Isso dinamiza a economia.
Quanto mais a economia dinamiza, mais o Estado arrecada. Isso se chama efeito
multiplicador das políticas sociais. Então o gasto público, ele retorna pros
cofres públicos. Ele não é um dinheiro que evapora. Ele é um dinheiro que
retorna através de arrecadação.
Além disso, o meu pai não define o quanto ele arrecada. E
principalmente ele não define quanto ele arrecada dependendo do momento
político e econômico. O Estado tem essa capacidade. Veja, o Estado maneja a
possibilidade de ele ter mais ou menos receita. Ele pode principalmente através
da política tributária incidir um imposto sobre grandes fortunas
momentaneamente para aumentar sua capacidade de gasto fiscal, ele pode
remanejar a forma como os tributos são direcionados dos mais pobres para os
mais ricos.
Ele pode inclusive ao gastar e dinamizar a economia, ele
também dinamiza, aumenta e alarga sua base de arrecadação tributária. As
famílias e as empresas não definem quanto elas arrecadam, o Estado em última
instância define.
O Estado também tem uma coisa chamada máquina de fazer
dinheiro que o meu pai não tem. Aí alguém vai achar: “Ai que absurdo, que o
Estado vai dar play na máquina e sair um monte de papeizinhos de Reais.” Não, é
de uma forma muito mais sofisticada!
O Estado pega empréstimo. Ele se financia com o setor
privado. Como? Ele dá um pedaço de papel (títulos do governo), ele lança um
pedaço de papel no mercado e diz: “Estou dando esse pedaço de papel aqui e você
vai me dar 5.000 Reais por esse pedaço de papel. Eu vou te devolver esse pedaço
de papel acrescido de uma taxa de juros.”
Poríamos dizer: “Ah, é um financiamento no mercado financeiro,
igual as famílias e empresas fazem quando elas não têm dinheiro, elas recorrem
ao mercado financeiro.” É completamente diferente! Em primeiro lugar porque o
Estado se endivida na própria moeda que ele roda. É diferente de alguém vir me
pedir dinheiro e eu disser assim: “Ah, mas eu fiz Ciências Sociais e vou te
pagar em miçangas, porque eu tenho um monte de miçangas. Eu pago ao banco com
uma coisa que eu mesmo produzo, no caso do Estado moedas reais.”
Aqui estamos falando em dívida pública interna, quando é
em Reais. Diferente de dívida externa, essa sim compromete a capacidade de financiamento
do Estado e isso pode levar vários Estados a quebrarem. Estados nacionais não quebram
em endividamento na própria moeda.
O Estado define também a taxa de juros que ele paga por
esses papeis que ele vende no mercado. As famílias não definem os juros que
elas pegam no mercado interbancário.
O Estado também define o tempo de pagamento da dívida
pública que ele contraiu com os agentes privados. A gente não diz: “Olha Itaú,
agora não vou poder te pagar, posso te pagar daqui há 10 anos?” Não! Porque ele
vai colocar juros sobre juro! O Estado faz o quê? Ele pega aquele papel que vai
vencer, ele rasga aquele papel que venceu, e ele emite um novo papel. Com
aquele dinheiro do papel, ele paga o papel passado. Então, ele consegue criar
renda à partir disso.
Aí alguém vai pensar: “Ah, mas aí o Estado faz um grande
endividamento, ele se financia à partir disso.” Aí alguém vai pensar: “Ah, mas
o Estado faz um grande endividamento, se financia com o mercado privado, mas uma
hora ele vai ter de pagar.” No fim das contas, ele faz dívida, mas depois ele
vai ter que submeter a sociedade a um ajuste fiscal de alguma forma porque ele
vai ter que pagar essa dívida. Não!
O capitalismo pra começar é um sistema de dívida pública.
Os Estados nacionais desde o século XIX são Estados endividados. A dívida
pública é parte do mecanismo macroeconômico de sustentação das economias
capitalistas. As dívidas não são feitas para serem pagas fundamentalmente. São
feitas para serem roladas.
O que que determina, o que que faz com que as dívidas
sejam pagas é menos o pagamento nominal, vou lá e vou pagar a minha dívida e é
mais o crescimento da própria economia. Quanto mais a economia cresce, mais a
dívida com relação ao P.I.B decresce. P.I.B (Produto Interno Bruto).
Vou dar um exemplo: De 2003 a 2013, dos governos petistas
até 2014, o Estado sempre gastou bastante. Teve uma média de crescimento do
gasto público em torno de 6%, daí os liberais ficam malucos, mas as receitas
sempre foram superiores e não teve inflação! Olha que maluquice! Com uma taxa
de juros relativamente baixa quando houve decisão, vontade política de abaixar a
taxa básica de juros.
O Estado sempre gastou, teve um aumento substancial do
gasto público, mas sempre teve superávit primário. O que significa? Que os
gastos, as despesas primárias e todas aquelas despesas que excluem juros
cresceram, mas sempre foram inferiores ao crescimento das receitas. Em 2013,
teve então o superávit primário em torno de 90 bilhões. Mas no resultado
nominal, que inclui a conta de juros e o pagamento de juros pro estoque da
dívida passada, o resultado foi negativo. Ou seja, a dívida pública naquele
período, o pagamento, o quanto custava nominalmente passou de 1 trilhão e 500
para 1 trilhão e 700. Ou seja, a dívida pública em termos reais aumentou. Mas
em relação ao que elas significavam do P.I.B, ela caiu.
Ou seja, qual é a métrica que a gente usa para calcular o
endividamento público de um Estado? É a dívida com relação ao P.I.B! Não é isso
que a gente vê na TV? Ah, a dívida do Brasil está 60% do P.I.B... Quanto é a
dívida pública? Pouco importa!
Se eu disser pra vocês que a minha dívida é de 5.000
Reais, vocês vão dizer que é muito ou que é pouco? Vocês não vão dizer nada.
Vocês não sabem quanto eu recebo!
Então, a gente tem que avaliar a dívida em relação ao
P.I.B. Aí o quê que o Bolsonaro diz: “Temos que fazer um corte no auxílio emergencial
pra reduzir o nosso endividamento.”
Então vamos dizer que o endividamento era de 1 bilhão e
meio, e agora vai passar a ser 1 bilhão. Vou cortar 500 milhões da dívida
pública. Isso vai reduzir a dívida brasileira? Não! Porque se o P.I.B cair numa
velocidade ainda maior, mesmo que em termos reais, não seja mais 1 bilhão e
meio e seja 1 bilhão, se o P.I.B caiu ainda mais, pode representar ao invés de
60%, 70% do P.I.B!
Então, qual é a forma de reduzir e chegar numa saúde
fiscal de equilíbrio? Não é cortando necessariamente gastos! Porque quando você
corta gastos, principalmente em uma economia em desaceleração, você corta mais
proporcionalmente o P.I.B! Porque o P.I.B, 70% do P.I.B brasileiro é consumo!
Se você corta gastos, o gasto público é uma receita
privada, você corta a capacidade das pessoas consumirem. Portanto, você corta o
P.I.B! Então, quando aumenta o P.I.B, mesmo que aumente nominalmente a dívida,
a relação dívida P.I.B tende a cair! Portanto, a gente tem de submeter o pagamento
dessa dívida à atividade econômica e não à austeridade fiscal!
(Transcrição feita pela Bruxaria Sem Dogmas da entrevista
da economista Juliane Furno)
Fora Bolsonaro e leve o Guedes junto!
Autoria da transcrição: Eosphorus Pluto Eleutherios
Blog: Bruxaria Sem Dogmas
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